Deixem o titio falar

Marion Fayolle

Andam dizendo por aí (e o pior: pra crianças de oito, dez anos) que o lobo mau aqui sumiu de cena porque estaria em temporada numa clínica de reabilitação. Foi como meu dia dos pais terminou ontem, por volta das 22h, com mais um boato embrulhado pra presente. Quem precisa do Secret? E logo em Belém…

Meninas: Tio Caco não está e nunca passou por uma clínica de reabilitação. A única reabilitação pela qual passei na vida foi quando fiquei quatro meses de cama ou na fisioterapia pra restabelecer os movimentos da perna. O resto foi passeio. E que passeio. Porque sim, meninas, não importa o que digam a vocês: estamos na vida a passeio. E a vida não é Belém. Nem Secret. Não, também não é Facebook. Calma, deixem o titio falar.

A vida é só um amontoado de escolhas práticas. Nenhuma irreversível. Nada é irreversível nessa vida. Até a morte é um passeio. Tudo volta. Pode voltar. Depende da escolha ou do amontoado de escolhas que a gente faz. Do amontoado de escolhas me parece mais sensato. Porque não dá pra fugir das cicatrizes. E fugir pra quê? É bonito guardar essas cicatrizes pelo corpo. Tem até quem chame de body art. Mas vá lá: não ficou tão bonito assim? Faz uma tatuagem em volta, por cima. Deixa um espaço em branco, não escreve nada na bandeirola, que é pra ter sempre o que reescrever com uma caneta bic. Acho que esse é o ponto: estamos sempre reescrevendo nossos passos, nossas escolhas. A obrigação de escolhermos a todo momento. Que coisa, hein? Então, até pra escolher a gente é obrigado? O preço que se paga pela tal liberdade. Obrigados a sermos livres, parafraseando Tio Sartre.

Meninas: só tentem viver. Não se frustrem com os erros. Não importa quando foi que começamos a perder. Todos perdem. Que lindo seria tomar de goleada contra a Alemanha todo dia. Mais um mito caindo por terra. Mais um ídolo. Mais um tabu.

No fundo, lá no fundo, por mais que doa, eu me sinto honrado de ter sido a encarnação da perda da ilusão na vida de vocês; a representação da “extinção do mito da resignação”, nas palavras na orelha do livro. Pena que não por uma escolha minha (ainda tem essa: a vida acaba resvalando num amontado de escolhas práticas dos outros — outra lição do Tio Sartre, por sinal, mas fica pra próxima) ou, a bem da verdade, não por escolhas minhas. Não só. Porque, como já disse, nunca passei por uma clínica de reabilitação (por exemplo). E isso, sim, foi uma escolha minha. Várias e sucessivas escolhas. Que tudo tenha valido a pena. Que o passeio tenha valido a pena. Se não por mim (e como valeu), por vocês.

Mas, por ora, é bom parar. Que ninguém aqui é lobo, tampouco Paulo Coelho.

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deu pau no servidor da verbeat
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