primeiro capítulo do eu, cowboy

Não sei onde essa história toda começou. Sei que termina aqui. Sei que não tem começo que compense o fim. Melhor parar duma vez. Não tem o que descobrir. Encosta, estaciona o carro. Recosta o banco, sossega. Deixa o motor morrer. Respira. Respira fundo, devagar. Concentra. Me escuta. Ninguém precisa saber. Como se desse pra protelar a gastura. A vida e tudo mais perdem o sentido quando se perde a ilusão de ser eterno, foi o Sartre quem disse. Por aí. Mas não. Tem sempre um evento, um vídeo, um meme, uma foto, uma polêmica, uma microcausa socioeconômica que nos faça procrastinar nossa crise existencial. Ainda que também tenha quem se valha do existencialismo pra se enturmar na esperança de odiar um pouco menos a humanidade. Tem sempre quem goste. Nunca fui bom com cardápios, restaurantes, boates. Passo fome, mas não escolho o que comer por conta própria. Tem lá suas vantagens. Acabam escolhendo por mim. Com as pessoas, não é muito diferente. Imagina o que não é abrir um menu e dar de cara com cinco mil pratos. Carnes, frutos do mar, peixes, massas, aves. Saracoteava por todas as panelas e, em todas, era só mais um — desconfortável demais pra me enturmar, desencanado o suficiente pra não me importar tanto com isso. Sempre me senti forasteiro. Aprendi a me comportar como um. A me safar como um. Nem sotaque eu tinha. Mais fácil pra mim. Não escolher. No sétimo dia, eis que tudo aconteceu ao bel prazer do acaso e não é que foi bom? Não dava pra sentir culpa se meus amigos cresceram ficando pra trás — não de mim. Continuo andando com os mesmos frustrados de sempre e só porque eu me sinto bem ao lado deles. O prazer de empurrar por empurrar. Eu também, um frustrado. Nunca me encantou a imagem do amigo proposta aos quinze bebendo vinho escondido na concepção do clima propício pra sacar da memória o dossiê da revista literária comprada na véspera e dissertar com a autoridade de um pós-doutorando em Semiótica da Contracultura Latinoamericana por toda uma noite e a manhã seguinte até que seus pais voltassem do latifúndio. Ainda assim. Acompanhei todos de perto o suficiente pra vê-los crescerem intelectuais de respeito, fossem alcoólatras ou frustrados na cama ou as duas coisas e mais as dívidas. Simplesmente preferi gastar meu tempo ao lado dos assumidamente alcoólatras e frustrados na cama. Mais as dívidas.

(pra continuar lendo, entra no blog do carreira literária)

About caco ishak

deu pau no servidor da verbeat
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