
“Eu posso mentir, se vocês preferirem.”
Eu adoraria que ele tivesse feito isso, mas o que temos aqui é ficção – a mais pura verdade. Os nove contos estão aqui mesmo. Essa gente cruel e louca está aqui mesmo. Eu estou aqui mesmo. Nas palavras cortantes, nas cenas desoladas, no humor assustador e numa vontade louca de gritar qualquer coisa. Tudo bem, não faremos isso porque vivemos na realidade e a ficção é outro assunto. Aqui não há mentira que nos salve. O autor te sequestra e é impossível sair.
Ele faz previsões nefastas num conto escrito em 2016 e aqui estão elas, concretizadas, brilhando em 2021. Como se ele nos dissesse: olha, vai dar tudo errado. E deu. A gente sabe. Até a morte, que sempre foi um grande acontecimento na vida de uma pessoa, virou um compromisso de meio da tarde. Uma vergonha. “Acabou a solidariedade.”
O pior é que não é só a taça do mundo, não, tio, a culpa também é nossa. E ela adora habitar as vítimas, porque a culpa não sabe exatamente onde deve ficar. Então ela fica onde dá, onde deixam, onde a colocam. Todo mundo no mesmo incêndio e o desespero completamente à vontade, precisa ver.
Era o caso de ficar quieto. Não escrever este livro, não mexer nesse buraco sem precedentes que o autor resolveu cavucar. Mas isso seria um crime, porque não teríamos como viver o domínio absurdo da linguagem que aqui se apresenta. Onde todas as palavras destilam o horror. Um espetáculo da literatura.
Enfim alguém resolveu escrever a verdade. E esse alguém se chama Caco Ishak.
Fernanda D’Umbra