Save Kaaddish

Ponto final. Começar histórias pelo fim, tipo de coisa que sempre me agradou. Não confundir com recomeço, não. Recomeços pressupõem ciclos fechados, tramas bem amarradas, nenhuma ponta solta, lençóis amarrotados em cestos de lixo hospitalar. Filmes sem continuação. Sequências me parecem honrar mais a dinâmica da vida. A saga seguinte começa de onde terminou a última. Ninguém entrando num carro e partindo rumo ao por do sol, créditos rolando sobre as expectativas do que poderia ser. Não, o sol sempre se levanta pra todos. Única expectativa possível. O resto, velho clichê, é consequência. Nunca esperamos o que vem em seguida. Lição aprendida. Ponto parágrafo.

Carlo Kaaddish. Anti-herói do meu primeiro romance recém-revisado. Um otário, autodenominado “elo perdido”. Um machoqueen, fruto da contracorrente drama-existencialista pós-sexual. Não é de se admirar que o livro tenha sido escrito há exatos cinco anos, daqui a um mês, e que o distanciamento tenha se consubstanciado em noites perdidas ao longo desse tempo todo de modo a permitir uma revisão aceitável. Páginas e páginas reescritas na tentativa de humanizar um bronco alfa. Meu querido Carlo Kaaddish. Prazer em conhecê-lo.

Nada pior do que pretender se passar por um Doutor Sabe-Tudo. Fracassados que encolhem os ombros diante de “Mestres da Verdade”, mas fazem travesseiros dos seus ombros diante dos seus pares fracassados. Cinco amigos. Cinco almas perdidas e sedentas nesse deserto do real em que insistimos viver, “escorregando pela espiral umedecida do tempo”, sunguinha e sorriso Colgate. Opiniões carregadas de frases de efeito na expectativa do autoboicote reconhecido unicamente por seus pares, ninguém mais. A __________ se resume ao yin corporificado, contrapondo-se à carnificina do __________ que se fez nossos yangs. Farpas disparadas a mil por hora e pra todos os lados. Certos assuntos incomodam. Interpretados à luz da ignorância ou da sapiência rasteira, e tanto faz. Depende do fracasso de quem os lê, decodifica e regurgita adiante. O desconhecimento de causa se redime ante à causa alguma que se diga própria, “só defendo”. Ou condeno. Sim ou não. A reflexão binária de mil e tantas abas abertas em nossos armários virtuais.

Carlo Kaaddish. Cinco anos e, em eras líquidas, ninguém mais concreto ainda hoje. Um otário binário. Que nem eu, você, eles, elas. Sem capacidade de pedir desculpas pois pra aceitar um pedido de desculpa se faria necessário reconhecer os próprios erros, senão tudo em vão, então: tanto faz. Ninguém mais tem tempo pra isso. Apesar de uma vida eterna pela frente. Sem pontos finais que não admitam borracha. Erros já não fazem parte do nosso ecossistema. Tudo experiência. Tudo comida. Tudo banal. Arrota-se o que nunca foi ingerido. Opiniões refletem nossas próprias incertezas. Tudo certo. Ponto em seguida.

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deu pau no servidor da verbeat
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