os alunos de jornalismo da UFPA estão com um projeto bem massa de divulgação da literatura paraense, o Subscrito. o pontapé inicial foi essa matéria da Juliana Maués a partir da entrevista que publico abaixo, na íntegra. parabenizo os envolvidos pela iniciativa e agradeço de público o convite.
Mas a novidade mesmo é o segundo romance que o autor está produzindo. O livro tem como pano de fundo a história do narcotráfico na Amazônia nos anos 90, de onde parte para uma série de temas como a legalização das drogas, a conexão entre o Pará e Cartel de Cali via Serra Pelada e os seus desdobramentos em Belém como os cassinos clandestinos e lavagem de dinheiro em empresas de fachada, a desmilitarização da PM, a corrupção e setores do judiciário e alienação parental. O livro promete – e essa a gente não pode perder!
O que te levou a São Paulo? Como se deu essa trajetória? Li que fizeste (e fazes) fortes críticas à cidade. Como se dá essa tua relação com Belém?
Uma série de fatores me trouxe a São Paulo dessa última vez. Esfera pública e privada. Dá pra dizer que tudo eclodiu em junho, julho de 2013. Eclodiu, já vinha sendo encubado há tempos. Acho que prefiro falar das questões por trás desses fatores, desses agentes: abuso de poder e corrupção de parcela do funcionalismo público desde a base até o topo, uma política de marginalização das liberdades individuais levada a cabo justo por quem lucra com o proibicionismo e que permeia todas as classes sociais alimentando essa onda irrefreável de violência que, por sua vez, alimenta o abuso de poder e a corrupção. Passei a incomodar certas pessoas (passamos se levado à esfera pública) e, depois de dois anos resistindo à ideia, me convenceram a partir. Distante, mas ainda lutando.
O Brasil passa por tempos nebulosos, uma maré reacionária vem subindo aos poucos e ameaça levar tudo pela frente, inclusive pau, pedra, nos levar de fato ao fim do caminho. Se o país está assim, imagina Belém que sempre foi bairrista, provinciana, nostálgica. Taí o delegado Éder Mauro na disputa pra se eleger prefeito. É importante resistir nas esferas pública e também privada. Porque se é pra lutar contra o inevitável, talvez seja melhor pensar nessa onda reaça que periga tomar prefeituras e câmaras por todo o país a partir desse caos que se formou pretensamente polarizado entre amarelos e vermelhos. Mas o que vemos é só o caos mesmo, multifacetado. Se há uma polarização a temer dentro desse multi-universo é entre os que almejam uma vingança ainda que democrática e dentro da lei (pois amparados pelos militares) e os que de fato almejam um golpe político (na tentativa de deter os primeiros antes que rodem junto). Talvez a única solução viável hoje seja uma reforma política com efeitos imediatos, o que bem ou mal vem sendo feito na marra pela Lava Jato, uma reforma política levada a cabo pelo poder de polícia, pelo judiciário. Só que, apesar da capacidade do judiciário de reverter uma situação individual em prol do coletivo (quando quer), isso é perigoso. Essa consciência tem de partir do povo. Pois se continuar essa confusão pretensamente polarizada, vão usar o caos (teoricamente favorável) como desculpa pra uma terceira via. Nessa, Éder Mauro entra e a maré reacionária vira onda de fato. Já vimos as consequências disso na prática. Minha relação hoje com Belém, portanto, é nesse sentido: lutar fazendo algo que contribua de alguma forma pra que o Éder Mauro não seja eleito o prefeito de Belém no próximo ano (já nos bastam os doze anos de Duciomar e Zenaldo), nem ninguém dessa turma BBB como deputado ou vereador (o que seria possível com a reforma), pra que o judiciário faça seu papel de acordo com a lei e uma jurisprudência que respeite o direito das minorias, pra que um oficial da polícia militar possa ser julgado por seus atos como qualquer outro cidadão e não numa corte militar, o mesmo valendo aos que o julgarem. Dito isso, chego à minha relação maior com a cidade: minha filha, por quem sigo lutando. Não a botei no mundo à toa, afinal. Que ela continue lutando também quando eu não estiver mais aqui.
E com a escrita? Como nasceu essa vontade? Conta um pouco das tuas experiências, dificuldades enfrentadas na carreira e da tua obra.
Desde criança eu gostava de escrever e desenhar umas revistinhas em quadrinhos, criava os personagens, era divertido. Ainda é, na medida do possível. Mas logo na pré-adolescência passei a escrever por “amor”, logo: a sofrer. Eu era muito tímido, ainda sou, mas naquela época era terrível. Então, escrevia poeminhas e pedia pr’algum colega entregar. Não passava disso e geralmente só servia pra me fazer ter mais vergonha. Segui com os versos e alguma prosa bem experimental na adolescência, sempre severamente criticada pelos mestres, e, quando entrei na faculdade de Direito, logo no primeiro ano, o Orlando Arouck me chamou pra editar um fanzine político-cultural, o Macacada Fashion. Foi onde tomei gosto pela coisa, de fato. Além de editar, escrevia artigos, crônicas. O Macacada fechou quando eu tinha 19 e passei a escrever resenhas literárias pro extinto Capitu.com, então capitaneado pelo Edson Cruz, hoje do Musa Rara, e daí resenhas musicais pra algumas revistas e jornais. Com o tempo, fui juntando os poemas e mandei pra 7letras. Reeditei o livro três vezes, trocando poemas, até que aceitassem publicar. Faz exatos dez anos em agosto de 2016, eu já tinha 25. Tive a baita sorte de ter uma orelha do Paulo Scott logo no livro de estreia e isso acabou abrindo mais portas do que o livro em si (hehe). Mas assim: dificuldades até o próprio Scott ainda enfrenta. Literatura não é lugar pra quem pensa em estrelato. São poucos os que conseguem o luxo de viver da profissão. E isso vale pra todas as áreas hoje, claro, não só literatura. Então, não tem outra: quer aparecer na Contigo, vai fazer novela da Globo. Como ator, claro, não roteirista. Como roteirista, no máximo, o cara pode sonhar em levantar alguma grana. Ainda assim: após um longo caminho.
Teus dois primeiros trabalhos foram de poesia. Como tu enxergas a importância da poesia, e de se fazer poesia, nos dias atuais?
Antes poesia do que bomba. Confio no senso crítico dos poetas por mais nas nuvens que suas cabeças estejam. Há um quê de justiça na beleza por si só.
O que te levou à construção do personagem Carlo Kaddish, em Eu, Cowboy, um autoboicotador, em certa crise existencial? O nome do personagem e algumas cenas passadas em Belém, além de outros fatores, nos dá ideia de uma influência da tua vida no livro. Quais outras comparações são possíveis do personagem com essa nova geração (que nem é mais tão nova assim)? Existe certa crítica ao homem contemporâneo e à quebra de grandes certezas?
Ah, fui eu quem escrevi, então tem total influência minha, não necessariamente da minha vida. Mas acho engraçado brincar com isso de personagem vs autor, principalmente numa cidade dada a fofocas preguiçosas escoradas nas janelas das casas. Já vi e vivi muita coisa que com certeza entrou no livro, claro, mas: por favor, não subestimem minha imaginação. No fim, mesmo que uma ou outra coisa tenha acontecido de fato, ainda assim não passará da minha versão. Portanto: ficção carregada de incertezas. Belém é um excelente cenário pra esse choque entre certezas e incertezas, entre pós-modernidade e terceiro-mundismo, é só dar uma volta pelo Jurunas, nem precisa entrar numa aparelhagem. Isso está presente também na alta sociedade, claro, nossa querida Ray-society e sua esquizofrenia belle-epoqueana ou sua síndrome de cubano asilado. Se não dá pra se ter maiores certezas nem diante de um cenário político nacional como o de hoje, imagina sobre a vida em si? Então, prefiro encarar o livro como uma série de questionamentos em meio a essa transição que a humanidade vive, nunca certezas. Nada melhor do que um personagem tautista pra emitir certezas em até 140 caracteres. Mas é um personagem. Eu, como autor, só me senti na obrigação de ter coragem pra fazer tais questionamentos através das certezas do personagem.
Sabemos que o mercado em Belém é muito restrito e que as dificuldades são muitas para se estabelecer como escritor por aqui. Mas também sabemos que tem uma galera nova surgindo muito boa. Então, quais as possíveis saídas para esses futuros escritores que se deparam com esse mercado fechado? Quais as dicas que podes dar a eles?
O Pará sempre teve bons e reconhecidos escritores. Havia dois paraenses entre os fundadores da Academia Brasileira de Letras, José Veríssimo e Inglês de Souza. Tivemos grandes nomes de lá pra cá: Dalcídio Jurandir, Haroldo Maranhão, Eneida de Moraes, Benedito Nunes, Max Martins, Osvaldo Orico, o grande “double zero”, pra ficar em alguns dos já finados. Falta sim memória, falta incentivo, faltam políticas públicas, falta mercado. Mas isso falta em todas as cidades, não é exclusividade de Belém, não. Escritor não precisa de muito pra ser escritor. Um computador conectado à internet pra divulgar o trabalho e coragem. O resto é consequência. Então, as possíveis saídas são: encontre um trabalho com o qual você possa comprar um computador e pagar sua internet e escreva sem medo nas horas vagas. Não espere nada além de um relativo alívio ao colocar em palavras o que se sente. Invista no mercado independente, nas editoras independentes. De resto, vai de autor pra autor se unir e divulgar o trabalho em conjunto ao invés de ficar chorando pela boa vontade da administração pública ou do mercado, e tudo o que eu já falei nas respostas anteriores.
Vi que estás organizando a coletânea Bonde Cuspindo Gente, um grupo novo de escritores (profissionais e não-profissionais) para falar sobre Belém. Como que surgiu essa ideia, e o que te levou a priorizar pessoas novas? Há previsão de lançamento?
Uma das minhas grandes influências contemporâneas foi a Livros do Mal, editora independente fundada por Daniel Pellizzari, Daniel Galera e Guilherme Pilla no começo dos anos 2000. O slogan deles era “Leia o novo, é trimmmassa”. Acredito nisso, é uma proposta que vem sendo utilizada por algumas publicações. Belém tem muita gente nova e boa que merece ser lida, gente com quem cresci, outros que fui conhecendo. A ideia inicial surgiu em 2012, nunca foi adiante. Aí, o Gustavo Godinho me deu a ideia de organizar aproveitando os 400 anos de Belém e comprei. Compraram junto o Jorge Filholini, do Selo LOID, por onde o ebook será lançado, e o Eduardo Lacerda da Patuá, que publicará a versão impressa. A capa seguiu a proposta do livro, uma artista nova, convidei a Layse Almada. Enfim: gente nova, uma visão nova sobre Belém, tudo fresquinho. Ainda estamos num impasse quanto a lançarmos o ebook junto com a versão impressa ou não, quanto ao prefácio ser individual ou coletivo (minha ideia era jogar autores com mais de 49 anos pra fazer o contrapeso à “molecada”), então prefiro não falar em datas por ora. Quem quiser acompanhar as novidades de perto, é só curtir a página: http://facebook.com/bondecuspindogente
Fora isso e, não me alongando mais, gostaria de saber se tem algum projeto em andamento ou planos para o futuro.
Bem, fora o Bonde, deve sair ainda nesse ano outra coletânea da qual participo, uma antologia de poesia brasileira publicada nos Estados Unidos pela Scrambler Books, com organização da Ana Guadalupe e do Jeremy Spencer. Também já venho trabalhando no segundo romance desde 2013, tem como pano de fundo o narcotráfico na Amazônia nos anos 90 de onde parto pra uma série de assuntos como a legalização das drogas, a conexão entre Pará e Cartel de Cali via Serra Pelada e seus desdobramentos em Belém como cassinos clandestinos e lavagem de dinheiro em empresas de fachada, a desmilitarização da PM, a corrupção em setores do judiciário, alienação parental. Tem ainda a eterna saga da graphic novel que nunca sairá do papel porque roteiro não há com o paraense Fábio Vermelho. Por fim, estamos Gustavo Godinho e eu adaptando o Eu, Cowboy pro audiovisual. Mais, ainda não posso dizer.