Expoente da nova cena cultura do Pará, poeta circulou anônimo pela Flip
por Mariana Filgueiras | foto de Leo Martins
No pequeno poema que encerra o livro “Não precisa dizer eu também”, recém-lançado pela 7letras, o poeta e tradutor paraense Caco Ishak manda a astróloga mais famosa do mundo às favas: “Fuck you, Susan Miller. Best Regards, God.” Há algum tempo, Caco não está só mandando o céu, as estrelas, os planetas e seus satélites para aquele lugar. Mandou também o amor, o trabalho regular, a formação em Direito (que cursou por obrigação, diz). Só não mandou catar coquinho as três filhas — é uma só, Malu, de 9 anos, mas ele gosta de dizer que são três em uma — e a vontade de escrever.
— Se isso vai me dar dinheiro ou não, se vou conseguir fazer isso para o resto da vida, não sei. A única coisa que sei que quero e posso fazer é escrever — diz Caco, o codinome de Ricardo Ishak, 32 anos, numa mesa de bar em Paraty, durante a última Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que terminou no domingo passado.
Expoente literário de uma safra cultural paraense que tanto tem chamado a atenção no país — da qual fazem parte nomes como Gaby Amarantos, Lia Sophia, Gang do Eletro, Felipe Cordeiro —, Caco circulava anônimo por Paraty, divulgando o novo livro de poesia. Quando todas as atenções pareciam voltadas aos autores convidados, outros tantos como Caco escondiam no bolso do casaco versos como “das paixões/ o que levo/ é a certeza/ de que a seguinte/ comeu o rabo/ da que lhe antecedeu” (do poema “69”). Ou “não sei dizer/ se acredito em Deus/ ou se sou o próprio/ tentando manter a calma” (do poema “Bis in idem”).
— A Flip é a Disney tupiniquim da literatura, faz a alegria dos novos e nem tão novos autores. Especialidade de escritor sempre foi beber e causar. Paraty é uma festa só. Entre um copo e outro, alguns tantos causos, e-mails trocados, há microcosmos tragicômicos e promessas de novos copos quebrados — dispara Caco, que não esconde a verve ácida em qualquer tema que seja lançado para debate, de política a paternidade — um sujeito “do contra”, digamos, em versão mais doce.
Mas essencialmente do contra. Nas recentes manifestações que se espraiaram pelo país, o poeta não se conformou em exercer a indignação com metáforas. Foi para as ruas. Um dos mais velhos entre a molecada que organizava os protestos, Caco acabou se tornando uma espécie de “orientador” dos jovens. Cruzou a cidade protestando. Acampou em frente à Câmara Municipal. Enfrentou a polícia. Filmou os abusos. E escreveu posts indignados.
— Belém é uma das poucas cidades que não conseguiram sequer baixar as tarifas de ônibus depois de todos esses protestos — criticou Caco — O Pará está sem governador há meses, afastado por um problema de saúde. É um estado sem comando. E os absurdos que acontecem lá não chegam aqui.
“Não precisa dizer eu também” é seu segundo livro (o primeiro, “Dos versos fandangos ou a má reputação de um estulto em polvorosa”, foi lançado em 2006). Caco começou a escrever aos 18, no zine “Macacada Fashion”. Passou a resenhar para o site literário “Capitu”, teve um blog, e antes de mandar a carreira como advogado para a casa da Susan Miller, foi dar aulas de inglês. Descobriu um linfoma, e o tratamento em São Paulo o fez escrever ainda mais. Foi colunista da revista do Lobão, teve contos publicados na coletânea “Poesia Sempre”, da Biblioteca Nacional, e em projetos literários organizados pelo escritor gaúcho Paulo Scott.
— O Caco é uma das grandes promessas da poesia contemporânea — elogia Scott, que participou como convidado da Flip na mesa “Formas de derrota” — Ele ainda não encontrou um formato mais palatável ao gosto acadêmico ou editorial, mas acho isso bom. Ele é correto na procura por uma linguagem. E tenho certeza de que ele já tem uma linguagem própria, o que é bastante incomum.
(Revista O Globo, 14/07/2013)
nota do entrevistado: não estou na organização do movimento. obrigado, mariana. belo texto. pra casa da susan miller.